quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010
O que realmente foi a Inquisição?
Em primeiro lugar, para compreender o que realmente foi a inquisição, é preciso analisá-la a partir do seu contexto religioso, político, histórico, e social da época. A Igreja Católica foi a grande responsável por manter a ordem e a paz numa época em que Roma era massacrada pelas invasões bárbaras. Se não fosse pela Igreja Católica, talvez não tivéssemos a sociedade atual, organizada e preocupada com o bem estar do próximo. Aos poucos a Igreja foi conquistando o povo e impérios se convertiam totalmente ao catolicismo, sobretudo os bárbaros (visigodos, ostrogodos, lombardos, francos e outros). Durante mil anos, o mundo conhecia apenas como única religião oficial a Igreja Católica, tudo era baseado e regido pelo calendário da Igreja.
Para o homem medieval, o importante era “levar o evangelho a todas as criaturas” (Mt 28,19-20). O crime religioso era visto como um crime de “lesa majestade” (crime contra a coroa), cuja pena era paga com a morte pelo estado. Reis e soberanos consideravam a religião católica, a única verdadeira e divina, um bem social muito mais valioso que os bens deste mundo. Era preferível perder a vida a ter que cometer algum pecado que desagradasse a Deus. Neste contexto religioso, em que estado e Igreja trabalhavam juntos para manter a ordem pública, quando surgia alguma heresia que ameaçava a paz e a ordem, os imperadores, juntamente com os bispos, convocavam Concílios para tratar do assunto.
É difícil para nós, nos dias de hoje, imaginarmos como a sociedade aceitava e até incentivava a pena de morte para quem cometesse alguma heresia, mas se voltássemos para aquela época veríamos que era algo comum, não constituía escândalo para ninguém. Só para se ter ideia da mentalidade da época, o grande são Tomás de Aquino escreveu, no século XIII: “É muito mais grave corromper a fé, que é a vida da alma, do que falsificar a moeda, que é um meio de prover à vida temporal. Se, pois, os falsificadores de moedas e outros malfeitores são, a bom direito, condenados à morte, pelos príncipes seculares, com muito mais razão os hereges, desde que seja comprovados tais, podem não somente ser excomungados, mas também em toda justiça ser condenados à morte” (Suma Teológica II/II 11,3c). Repare que um Santo pensava dessa maneira, numa época em que todos tinham isso como um costume para o bem geral.
Durante 12 séculos a Igreja só aplicava penas espirituais como, por exemplo, a excomunhão, e nunca permitia que o estado executasse alguma pena capital (de morte) em questões religiosas. Porém, foi um período que houve graves heresias como o arianismo, priscilianismo, donatismo, maniqueísmo, dentre outras, que a Igreja combateu pela oração e pela fé, reunindo diversos concílios para que estas ideias não se perpetuassem no meio cristão, mas jamais permitia o uso da força para combatê-las.
Acontece que no século XIII surgiu uma heresia terrível chamada de catarismo (katharós, puro em grego) ou albigense, esta heresia foi criada por alguns cristãos fanáticos que se diziam puros, e dessa maneira queriam uma Igreja apenas de pessoas “puras”. Em suas pregações arrastaram multidões, pois viviam na pobreza e pregavam ser aqueles que conduziriam a Igreja à salvação, fazendo-a voltar à pureza dos apóstolos. Estes grupos de cristãos fervorosos se separaram da Igreja e começaram a interpretar erroneamente a bíblia indo totalmente em desacordo com a Igreja. Muitos seguidores da heresia como Pedro Valdo vendeu todos os bens, separou-se da mulher e começou a pregar como se fosse São João batista. Atacava os ensinamentos da Igreja e a riqueza do clero. Valdo e seu seguidor Pedro de Bruys pregavam que todo fiel é depositário do Espírito Santo e livre para interpretar a bíblia (com certeza isso foi um antecedente do protestantismo com Lutero três séculos mais tarde). Para os cátaros, Deus estava em tudo, e até mesmo os animais, como os ratos, eram considerados tão divinos como os homens (panteísmo); negavam a existência do purgatório e do inferno, pois diziam que satanás também era emanação de Deus; Negavam também a transubstanciação do pão e do vinho, o batismo das crianças, o valor das orações aos santos, da Igreja, das imagens e da cruz. Isso constituía uma negação total do cristianismo. O ódio contra a Igreja católica era o ponto alto da nova heresia de tal forma que em 1124, numa sexta feira santa, Bruys assou carne numa fogueira feita de cruzes de madeira. Isso suscitou a revolta de muitos cristãos fiéis à Igreja, que, sem a permissão, mataram Bruys e o queimaram na fogueira.
O grande historiador Daniel Rops narra que os cátaros proibiam o casamento e tudo que fosse carnal. Jesus seria apenas um mensageiro de Deus, mas não era Deus; os homens deveriam renunciar à carne, à terra e à vida; desejavam a morte, alguns praticavam o “suicídio sagrado” (endura). “A endura vitimou mais cátaros que toda a atividade da inquisição” (W. Neuss, Apud Bernard J., p 12). O professor Bernard, em seu livro A inquisição-História da Igreja, vol 3, pg 110, cita um historiador protestante de nome Henri Charles Lea que diz: “Se o catarismo se tornasse dominante, ou pelo menos igual ao catolicismo, não há dúvida de que sua influência teria sido desastrosa”. Repare que até mesmo um protestante protege a Igreja em seu combate contra os cátaros.
Com toda a heresia que estava penetrando na Igreja, surgiram grupos de cristãos que combateram os cátaros com a morte, durante 2 séculos, sem o apoio da Igreja. O povo e a autoridade civil se encarregavam de eliminar todo traço de heresia com a morte na forca ou no fogo. Tudo isso sem a permissão legal da Igreja. Acontece que com o passar do tempo, os imperadores começaram a usar do seu poder para matar inimigos antigos e servir a seus propósitos pessoais e não para combater as heresias, dessa forma, para evitar uma carnificina, no ano de 1231, com o papa Gregório IX, foi instituída a Inquisição Católica, que constituiu um avanço para a época, pois antes do tribunal da Santa Inquisição, os hereges eram condenados sem antes passar por um julgamento, e dessa forma muitos inocentes poderiam ser condenados a morte. Com a Inquisição, muitos foram salvos. Ao contrário do que aprendemos no colégio ou mesmo nas universidades, a inquisição não foi algo que o povo rejeitasse, ao contrário, o povo a apoiava e a desejava.
Ser julgado pela inquisição não era sinônimo de morte como muitos afirmam, era um tribunal que buscava a justiça, tanto é verdade que muitos apelavam para serem julgados pelo tribunal da inquisição como, por exemplo, os templários.
A inquisição não veio para matar, mas sim para dar um julgamento justo àqueles acusados de heresia. Enquanto todo crime de heresia quando julgado pelo estado era punido com a morte, os julgados pela Inquisição tinham a chance de se arrepender, se confessar e escapar da morte. Isso constituiu um avanço para a época.
Neste trecho aprendemos os antecedentes da Inquisição. Na próxima edição de “O Mensageiro” aprenderemos o que realmente foi a inquisição, pois não seria possível explicar o assunto sem antes mostrar em qual contexto nasceu este tribunal tão atacado por aqueles que não a conheceram realmente.
(Clécio Francisco Gonçalves)
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